sábado, 31 de março de 2007

Alimentação e Sobrevivência das Colónias em Condições Limite

Antonio Gómez Pajuelo
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Todos os seres vivos respondem ao mesmo esquema de funcionamento, a sua sobrevivência baseia-se na utilização das mesmas matérias, que usam da mesma maneira.

Os organismos vivos necessitam incorporar uma série de matérias principais para o seu correcto funcionamento. Em resumo estas matérias são: os hidratos de carbono, as gorduras e as proteínas.

Os hidratos de carbono: são formados por hidrogénios, oxigénio e carbono, também são conhecidos como açúcares. Constituem cerca de 60% da dieta das pessoas, e uma parte major na das abelhas. São o combustível que queimam os seres vivos para manterem o seu funcionamento. Os açúcares podem ser mais ou menos complexos, queimando mais ou menos facilmente, proporcionando mais ou menos energia. Os mais sensíveis (monossacáridos: glucose e frutose, formados por 6 carbonos, 12 hidrogénios e 6 oxigénios), queimam rapidamente, como a lenha fina, dão um grande acréscimo de energia. Quando se encadeiam (combinam) dois monossacáridos forma-se um dissacárido (sacarose, 12 carbonos, 4 hidrogénios, 12 oxigénios). Quando se encadeiam 3, um trissacárido. Quando se encadeiam muitos, um polissacárido (ou açúcar superior, também chamado amido) que é como um tronco grosso, tem que se fazer atilhos (monossacáridos) para que prenda.

Os diferentes seres vivos têm capacidades distintas de assimilar e digerir os polissacáridos, desdobrando-os nos monossacáridos que o compõem. No entanto todos têm que realizar uma série de reacções químicas que transforme qualquer açúcar num só, a frutose, que é o único que as células de qualquer ser vivo podem queimar para transformá-lo em energia, convertendo-o num resíduo de gás carbónico (carbono e oxigénio CO² ) e agua (hidrogénio e oxigénio, H² O). Quando um ser vivo consome mais açúcares do que os que necessita queimar, guarda o excedente como reserva. Para isso, rompe a frutose (6 carbonos), elimina parte do oxigénio e produz 3 fragmentos, de 2 carbono, que volta a enlaçar reordenando-os de outra maneira mais compacta (glicerina), e vai somando fragmentos de 2 carbonos para formar uns compostos que se chamam gorduras.

As abelhas encontram hidratos de carbono no mel (80%) e no pólen (40%), e formam dois tipos de gorduras a partir destes açúcares: a cera (que é uma gordura sólida na temperatura ambiente) e as suas gorduras internas (que acumulam numas células vazias (tecido adiposo), sobre tudo no Outono, e que utiliza para a fabricação de hormonas, a manutenção da cobertura dos nervos...

Para que se produzam essas transformações é imprescindível a presença de certos componentes que estão no pólen e que são outras gorduras, enzimas... que actuam como iniciadores e catalizadores dessas reacções químicas.

Existem outro tipo de substâncias alimentícias para os seres vivos que, além de carbono, hidrogénio e oxigénio (como os açúcares e as gorduras), têm outro elemento imprescindível para a vida: o nitrogénio ou azoto. A essas substâncias nitrogenadas ou azotadas, chamam-se proteínas.

As proteínas: são formadas por elementos mais sensíveis, os aminoácidos, dos quais existem uma vintena, todos diferentes. Existem muitos tipos de proteínas, que se diferenciam pelo número total de aminoácidos e nos tipos de aminoácidos que as formam. Pode-se dizer que os aminoácidos são como os ladrilhos, segundo o tipo que se utilize e como se juntem pode fazer-se com eles uma parede mestre, um tabique, uma coluna, uma abóbada... As diferentes proteínas têm missões distintas nos organismos vivos.

Nos seres vivos as substancias nitrogenadas, proteínas, têm uma grande variedade de funções: vão intervir na formação dos músculos, os tecidos de suporte (tendões, o esqueleto interno no nosso caso, o externo ou “carapaça” nas abelhas), as secreções digestivas (enzimas), as hormonas, os sistemas defensivos (imunológicos), os genes dos cromossomas (ADN), as células novas que repõem as danificadas nos tecidos...

Os seres vivos necessitam de ingerir proteínas na sua dieta (nós humanos até cerca de 15% do total de alimentos, as abelhas não sei, menos, seguro). Na digestão fragmentam-se em pequenos pedaços úteis, mais ou menos grandes, até aminoácidos, para aproveitar as partes nitrogenadas para fabricar outras proteínas úteis para o ser vivo que as ingere. As partes sem nitrogénio, assim como o carbono, hidrogénio e oxigénio, são queimadas ou convertidas em gordura.

Os diferentes seres vivos podem fabricar diferentes aminoácidos no seu organismo, a partir de fragmentos de outras moléculas que contenham carbono, hidrogénio, oxigénio e nitrogénio. Mas existem sempre alguns dessa vintena que não sabem “fabricar”, e que se mantêm inteiros na dieta, esses chamam-se aminoácidos essenciais. As diferentes espécies de seres vivos têm como “essenciais” diferentes aminoácidos dessa vintena. Essas substancias que um ser vivo não sabe “fabricar”, são conhecidas também com o nome de vitaminas, e a maioria continuam a ser do tipo nitrogenado (aminoácidos...) e/ou gorduras.

Na dieta das abelhas, o pólen, é o único aporte de substancias nitrogenadas (14%) e de gorduras externas (5%), sem contar as que sabem “fabricar” a partir dos açúcares.

Quando os aportes para a dieta são correctos, todas as reacções de transformação destas matérias em energia e noutras matérias diferentes funcionam bem; o organismo vive.

Mas o que é que se passa em condições limites? Quando falta alguma substância vital? Quando existe fome?...

Quando as abelhas padecem de falta de mel, faltando a administração de hidratos de carbono, não podem produzir energia, sobre todo calorífica, e diminui a sua capacidade de manter os 35º C constantes, ± 1º C, na zona de criação, quer dizer, quer dizer que a criação fica paralisada. Se o problema continua e se torna mais grave, a temperatura dos quadros de criação, ocupados vão diminuindo, o que torna mais lentas todas as reacções químicas dos seus corpos; as transmissões eléctricas dos nervos (o que põe ao ralenti os seus movimentos e a sua coordenação), a respiração, os movimentos musculares (o que acentua a diminuição da temperatura). Finalmente, quando se chega à fronteira aproximada dos 12º C, as abelhas ficam totalmente paralisadas pelo frio e morrem, formando um grupo compacto (cacho), introduzidas de cabeça nas células, num intento desesperado de conservar melhor as suas últimas calorias. Quase todos já o teremos visto alguma vez.

Até chegar a essa situação, o organismo das abelhas tentou produzir energia calorífica de qualquer maneira: primeiro, queimando as suas reservas de gordura, que armazenava nas células vazias das costas (ao nível do 2º anel abdominal), e quando estas escasseiam, queimando proteínas dos músculos, dos tecidos (intestino...). Pode-se dizer que o corpo se come a si próprio. Isto provoca uma diminuição do peso corporal, que pode chegar a uns 50% do seu valor normal. Finalmente, só restam as proteínas dos órgãos vitais e um mínimo de gordura que é imprescindível para a manutenção do nível das principais hormonas e o isolamento dos terminais nervosos que transmitem impulsos entre os tecidos, os órgãos e os gânglios cerebrais. Neste estado, as abelhas podem desaparecer com facilidade no campo durante um dia em que possam sair. As que permanecem na colmeia podem apresentar os mesmos sintomas de falta de proteínas e destruição dos tecidos digestivos, como que tenham sido parasitados por nosema, que é outra maneira de perder proteínas.

Quando as abelhas padecem de falta de pólen, por um lado porque não exista, por outro lado, porque o que está disponível não tem os nutrientes adequados (por seca, por exemplo), as reacções químicas de formação da gordura a partir dos hidratos de carbono não se dão e não podem acumular quantidade suficiente desta no seu corpo.

Se têm hidratos de carbono, mel, podem queimá-los para produzir calor, no entanto faltar-lhes-iam elementos necessários para a produção de hormonas e enzimas que controlam processos importantes: a fabricação de sucos digestivos, o sistema imunológico, o isolamento dos condutores nervosos, a produção de geleia real (o que vai paralisar a criação), a produção de cera...

A falta de pólen, também provoca no organismo das abelhas “fome de proteínas”, que tentam solucionar extraindo proteínas donde existam, fundamentalmente dos músculos e dos intestinos. Esta situação pode provocar danos celulares nestes tecidos, com a consequente diminuição do peso corporal, e a possível observação de tecidos danificados (como o digestivo) que deixa de produzir sucos digestivos e fica com danos que podem confundir-se com lesões de parasitoses por nosema.

Paralelamente a esse processo orgânico dá-se um aumento do instinto de recolha de pólen, o que faz com que, se não o encontram, recolectam qualquer coisa que se lhe pareça (farinha, pó de palha, pó dos fardos para o gado, e inclusivamente serradura de madeira!). Algumas destas substâncias podem alimentá-las alguma coisa (como a ração de leitão), outras pouco ou nada (palha, serradura...)

Todos os seres vivos têm mecanismos de comportamento semelhante, recordem-no filme de Chaplin em “A quimera de ouro”, comendo a sua bota guisada, os cordões como se fossem esparguete e a sola como se tratasse de um filete.

Tudo isto faz com que as abelhas se tornem muito mais sensíveis a qualquer problema que possa afectar a sua sobrevivência: enfermidades, intoxicações por produtos fitofarmacêuticos, meteorologia desfavorável...

Outro elemento imprescindível para a sobrevivência, à parte dos nutrientes mencionados, é a agua. Cerca de 2/3 da maior parte dos organismos vivos são agua (em alguns mais). A água intervém nas reacções químicas que mantêm a vida, como dissolvente e também como refrigerante. Em todas as reacções produz-se calor, e se este não é eliminado, a temperatura corporal irá subindo pouco a pouco até “ferver” as abelhas por dentro: as proteínas coagulam acima dos 45º C, perdendo as suas funções. As abelhas têm nas suas antenas uns termo receptores, termómetros, ligados aos nervos, que se activam quando a temperatura sobe ou baixa e enviam mensagens aos gânglios cerebrais que provocam determinados comportamentos (ventilação, agrupamento, colheita de agua...).

Se a temperatura sobe as abelhas saem à procura de água, colocam-na em gotas nos quadros e ventilam-na para que se evapore, isto “rouba” calor e a temperatura baixa para o seu nível normal. Se não a podem controlar assim, saem da colmeia e situam-se por baixo desta, na sombra, para evitar que a sua actividade dentro da colmeia eleve mais a temperatura.

Se faz frio, agrupam-se num cacho compacto, movendo-se produzindo assim calor (queimando as suas reservas de hidratos de carbono, mel que têm à mão no quadro e numa segunda fase, as suas gorduras internas). Se não podem manter constante (nalguma zona do quadro) uma temperatura de 35 ±1º C e uma humidade relativa de ao redor de 80%, cessa a criação (esta desidrata-se com facilidade através da sua fina pele). Por isso vêm-se abelhas recolhendo avidamente água no início da criação, na Primavera temporã, pois se falta agua na colónia, a criação paralisa-se.

Outro elemento que necessita agua é a respiração, o ar que entra nos sacos respiratórios, carrega-se de humidade interna das abelhas, humidade que estas devem repor. A excreção de resíduos também consomem agua. Se falta água no organismo da abelha, porque não há aportes, este tenta recuperá-la donde seja. Primeiro utilizará os tecidos que tenham mais água: a hemolinfa (tipo de sangue da abelha), que se espessará. Isto move por sua vez, água dos tecidos para o sangue. Os organismos vivos têm prioridades, pelo que o fluxo interno de água desvia-se até aos órgãos mais importantes: o tecido nervoso e o respiratório, retirando-a de outros menos importantes: os músculos, os intestinos... Se este processo segue, a hemolinfa torna-se tão espessa que o coração tem que fazer mais esforço para bombeá-la, e circula mal pelos capilares, o que provoca mais calor, pelo que consome mais água para regular a temperatura....

Nestas condições as abelhas tornam-se extremamente sensíveis a qualquer problema, acabando por perecer se o processo não for detido com o aporte de agua. Eu já vi colmeias mortas de sede; as que ficaram vivas recuperaram quando se lhes colocou um bebedouro com água.

Sintetizando tudo o que se escreveu até aqui, podem-se resumir pois, 3 tipos de condições limites referidas quanto à alimentação das colmeias:

1) Fome de hidratos de carbono, mel.
A solução é sensível, aportá-los. A melhor maneira para que as abelhas o assimilarem é na forma de xarope de água e açúcar branco (sacarose), que elas podem converter facilmente em frutose e aproveitar. Outra possibilidade é utilizar um xarope de frutose, obtido por hidrólise (ruptura) “larga” do AMIDO do milho. Finalmente, a menos desejável é utilizar um xarope de glucose, obtido por hidrólise (ruptura) “rápida”, do gérmen do milho; neste processo ficam quantidades importantes (ao redor de 20%) de açúcares superiores (polissacáridos, germens) sem romper, que não são bem digeridos pelas abelhas. Como pode suceder, o pior produto é o mais barato, ainda que a próxima e prevista baixa do preço do açúcar branco (39 % nos próximos 3 anos) e a perda da subvenção aos derivados do gérmen do milho, pode igualar os preços por “unidade de açúcar assimilada pela abelha”.
A concentração de açúcar total em agua deverá oscilar entre os 60-70% na época fria e os 40-50% na época quente.
Com efeito pode-se dar ás colmeias mel, mas sempre de origem sanitária conhecida.

2) Fome de pólen (gordura, proteínas).
Também podem ser adicionadas. Existem no mercado de alimentação animal complexos de aminoácidos, vitaminas e proteínas em líquido e em pó, que são incorporáveis na alimentação. Se as colmeias estão muito debilitadas é melhor dá-los numa alimentação líquida. Quando se tiverem recuperado pode-se pensar numa alimentação sólida.
Devido à situação das mudanças climatéricas, já aconteceu mais do que uma vez, nos últimos anos que alguns apiários não tiveram possibilidade de recolherem suficiente pólen na Primavera – Verão para se aguentarem bem até ao Outono, e se a floração de pólen nesta época também lhes falta, entram no Inverno em péssimas condições e acabam por morrer. Seria conveniente rever as nossas estratégias de trabalho e avaliar a situação das reservas de pólen no final do Verão, Julho – Agosto, para alimentar se for preciso, pois pode faltar o pólen de Outono.
Se se pensa em disponibilizar pólen doutra colmeia, é melhor fazê-lo em quadro devidamente humedecido e sempre de origem sanitária conhecida.

3) Fome de água (desidratação, sede).
É muito fácil de solucionar. Existe uma grande quantidade de dispositivos que permitem disponibilizar água às colmeias quando estas não tiverem possibilidade de a recolherem nas imediações (mais ou menos 50 metros).
Estamos em tempos difíceis. Nos últimos 7 anos passamos de 1.500.000 colmeias para 2.500.000 (em Espanha), que além do mais são colocadas em apiários maiores, para aproveitar a carga do camião que agora também é maior (isto diminui a floração útil por colmeia).
Os terrenos de uso apícola são menores, por desertificação, construção de urbanizações, diminuição das culturas de uso apícola (girassol, colza...), o uso excessivo de pesticidas de alta persistência e alta toxicidade a baixas doses (Confidor®, Gaucho®, Regente®...)
E a mudança climatérica está a alter o regime de chuvas, elevando as temperaturas, o que, num território como o nosso, se traduz em menos disponibilidade de alimentos para as abelhas e períodos de carência mais largos.
Mas podemos adaptar-nos para modificarmos as nossas tácticas de trabalho.
Só temos que fugir das rotinas e estar mais atento ao campo e aos conhecimentos que a nossa época nos proporciona.

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